Os Tsukumogami são uma categoria de yokais na mitologia japonesa. Esses espíritos se manifestam em objetos inanimados que completaram cem anos de existência, ganhando vida e consciência. Originários do folclore japonês, os Tsukumogami representam a ideia de que até mesmo os itens mais mundanos podem adquirir uma alma, especialmente se forem negligenciados ou maltratados por seus donos. Com uma mistura de mistério e humor, essas criaturas refletem a profunda conexão cultural do Japão com o animismo e a crença de que tudo no mundo, vivo ou inanimado, possui um espírito.
Origem
A palavra “Tsukumogami” e sua grafia em kanji 「付喪神」 apareceram pela primeira vez em rolos de pintura do período Muromachi, especificamente no Otogizōshi(coleção de contos curtos e ilustrados) intitulado “Tsukumogami Emaki“. De acordo com esse texto, os objetos, ao completar cem anos, adquiririam um espírito, permitindo-lhes transformar-se em Tsukumogami.
A palavra “tsukumo” é interpretada como “noventa e nove”, conforme indicado em uma anotação no rolo de pintura, que se refere a “um ano a menos de cem”. Esta expressão pode estar ligada à palavra “tsukumo-gami” , usada no Ise Monogatari para descrever os cabelos grisalhos de uma mulher idosa, simbolizando um longo período de tempo, equivalente a noventa e nove anos.
Essa etimologia reflete a crença de que, com o passar do tempo, até mesmo objetos inanimados podem adquirir uma essência espiritual, transformando-se em seres com vida própria.
Características dos Tsukumogami
Os Tsukumogami são objetos do dia a dia que, após completarem cem anos de existência, adquirem um espírito próprio e se transformam em seres animados. Esses objetos podem variar de formas, tamanho e utilidade. Podem ser utensílios domésticos, ferramentas de trabalho, roupas ou brinquedos. Todos compartilhando a peculiaridade de terem se tornado entidades conscientes devido à sua longevidade.
Quando se manifestam como Tsukumogami, esses objetos geralmente mantêm a forma original, mas com adições antropomórficas que sugerem sua nova vida. Por exemplo, um guarda-chuva antigo pode ganhar um olho grande na parte superior e pernas na base, ou uma antiga lâmpada de óleo pode desenvolver um rosto expressivo e mãos esqueléticas. Muitas vezes, essas criaturas são retratadas de maneira caricatural, com exageros que refletem a estranheza de sua transformação.
A personalidade dos Tsukumogami varia dependendo do objeto e das circunstâncias de sua “vida” anterior. Alguns podem ser benevolentes e prestativos, especialmente se foram bem cuidados pelos humanos, enquanto outros podem ser maliciosos ou vingativos se foram negligenciados ou maltratados. Esses objetos-espíritos podem pregar peças, causar problemas ou até tentar assustar seus antigos donos como forma de buscar vingança ou reconhecimento.
Apesar de sua nova vida, os Tsukumogami não são imunes à influência espiritual. Em muitas lendas, eles são representados como seres que podem ser pacificados ou exorcizados através de rituais religiosos. Por exemplo, pode-se realizar uma cerimônia para agradecer ao objeto por seus anos de serviço e, assim, evitar que ele se transforme em um Tsukumogami vingativo.
Exemplos de Tsukumogami
Bakezōri
O Bakezōri é um Tsukumogami que se manifesta como uma sandália de palha velha que ganha vida. Ele é descrito como um chinelo desgastado com dois braços, duas pernas e um único olho. Durante a noite, o Bakezōri vagueia pelas casas habitadas, assustando os moradores ao correr pelos corredores e repetidamente cantarolando: “Kararin, kororin, kankororin, managu mittsu ni ha ninmai!”
“Kararin, kororin, kankororin! Eles têm três olhos e dois dentes!”.
Essa cantoria estranha é interpretada como uma possível zombaria de seus “primos mais nobres”, os famosos Geta, as tradicionais sandálias japonesas de madeira.
Biwa-bokuboku
O Biwa-bokuboku é um Tsukumogami que se manifesta como um biwa, um tradicional instrumento musical japonês. Ele é descrito como uma figura com a cabeça em forma de biwa, vestindo um kimono muito bonito. Durante a noite, o Biwa-bokuboku desperta e se senta calmamente em um quarto de tatami, cantando e tocando seu biwa enquanto lamenta o abandono por parte de seu antigo dono. Em outras histórias, o Biwa-bokuboku é conhecido por dançar pelas casas habitadas, fazendo muito barulho e causando perturbação.
Boroboroton
O Boroboroton é um Tsukumogami que toma a forma de um futon (colchão tradicional japonês) velho e desgastado, que ganha vida durante a noite. Este futon levanta-se no ar e, de maneira assustadora, arremessa seu antigo dono para fora da cama. Em seguida, ele começa a se enrolar ao redor da cabeça e do pescoço do adormecido, com a intenção de estrangulá-lo.
Chōchin Obake
O Chōchin Obake é um Tsukumogami que surge de um chōchin (lanterna tradicional de papel) antigo. Com o passar do tempo, essa lanterna se parte ao meio, formando uma boca que se abre para fora, de onde sai uma longa língua. Embora seja retratado com apenas um olho na parte superior, algumas representações mostram o Chōchin Obake com dois olhos. Em outras versões da lenda, ele também desenvolve um rosto completo, com mãos, tronco e até asas, tornando-se uma figura ainda mais assustadora e surreal.
Kasa Obake
O Kasa Obake é um tsukumogami que se origina de um guarda-chuva velho e desgastado. Descrito como um guarda-chuva com pernas e um olho, ele ganha vida durante a noite. O Kasa Obake é conhecido por seu comportamento travesso e brincalhão. Ele aparece com um grande sorriso no rosto, dançando e pulando pelas ruas ou casas enquanto faz barulho com sua estrutura de papel e bambu.
Koto-Furunushi
O Koto-Furunushi é um tsukumogami que tem a aparência de um koto, tradicional instrumento de cordas japonês. Com o tempo, o koto ganha uma face demoníaca em sua frente, e suas cordas começam a se desordenar, criando a impressão de uma juba desleixada. Embora sua aparência seja imponente e ameaçadora, não se sabe ao certo se o Koto-Furunushi possui a capacidade de se mover de forma autônoma.
Ungaikyo
O Ungaikyo é um tsukumogami que assume a forma de um espelho possuído. Ele tem a habilidade de manipular seu reflexo para se transformar na aparência que desejar. Qualquer humano que olhe para o Ungaikyo verá uma versão monstruosa e distorcida de si mesmo no espelho. Além de aterrorizar aqueles que o observam, o Ungaikyo também foi utilizado por humanos para capturar espíritos dentro dele, tornando-se um artefato tanto de medo quanto de poder sobrenatural.
Cultura Pop
- Na série de mangas e animes chamada Monono Gatari, no Brasil conhecida como malevolent spirits, muitos personagens são tsukumogami.
- O Pokémon Banette provavelmente foi inspirado em tsukumogamis de bonecos.
- Os Pokémon Honedge e Doublade podem ter sido inspirados no conceito de tsukumogami, em que objetos inanimados seriam possuídos por espiritos.
- O Pokémon Sinistcha é outro exemplo de objeto inanimado que ganha vida
Os Tsukumogami ilustram como a cultura japonesa enxerga a relação entre humanos e suas posses, e como o tempo e o descaso podem transformar objetos em entidades poderosas e, por vezes, assustadoras.♡